São os carros, as ciclovias, os cocós dos cães.... e já agora também os Segways!

Está a ser preparado pelo IMTT um Decreto Regulamentar que estabelece um regime experimental de circulação de «Segways» em espaços públicos. Este ante-projecto propõe que os segways sejam obrigados a usar como local primário de circulação os passeios. Foi solicitado à ACA-M que apresentasse o seu contributo.

Alguns extractos:

O Segway é um equipamento pertencente a uma classe de veículos que tem recentemente recebido atenção de fabricantes e utentes, em relação à qual só nos últimos anos os diversos estados europeus têm procurado estabelecer regulamentação própria de forma a resolver uma situação de indefinição legal, com consequências negativas na gestão dos sistemas de mobilidade. Esta classe de veículos é conhecida como: Veículo Eléctrico Pessoal ou VEP (Electrical Personal Vehicle).


A ACA-M concorda portanto com a necessidade de uma regulamentação clara sobre as possibilidades e limites da circulação deste tipo de veículos nos espaços públicos, preenchendo-se o actual vazio legal em Portugal, e considera que é imperioso fazê-lo de forma reflectida e informada, pelo que tem todo o gosto em poder apresentar as suas contribuições. A ACA-M considera que o ante-projecto agora em análise não deve ser elaborado tendo apenas em atenção a necessidade de regulamentação do uso do Segway em espaços públicos, mas antes que deve ser regulamentado o uso dos VEP em geral. No que concerne aos chamados «modos suaves de locomoção», entre os quais os VEP se incluem, o Estado português não regulamentou ainda, ou regulou deficientemente, a utilização de diversos dispositivos com muito maior presença em espaço público urbano e não urbano, como sejam as bicicletas, os triciclos sem motor (como os usados em várias cidades europeias como táxis não motorizados), os patins, os diversos tipos de skateboard, as trotinetes com motor de combustão, motor eléctrico ou sem motor, e as cadeiras de rodas motorizadas.


Neste sentido, parece-nos que a presente intenção e regulamentação da utilização dos Segway em espaço público constitui uma oportunidade para para rever profundamente o Decreto-Lei 163/2006, de forma a limitar eventuais incompatibilidades legislativas, e lançar as bases para uma alteração profunda do próprio Código da Estrada, de forma a que este reflita os novos paradigmas de mobilidade rodoviária, no sentido de o transformar num Código Regulamentador das Relações entre Diferentes Modos de Locomoção (incluindo-se aqui a definição um "Código da Rua", a exemplo do que acontece noutros países europeus), assente no princípio da hierarquia invertida da responsabilização civil, para uma mais efectiva protecção dos meios de locomoção mais frágeis (peão > veículo de duas rodas sem motor > veículo de duas rodas com motor > veículo de quatro rodas com motor, etc.).








O ante-projecto em análise evoca a necessidade de regulamentação dos Segways para “promover a crescente sustentabilidade ambiental e a eficiência energética das deslocações em meio urbano”. Neste âmbito, a ACA-M alerta para a falácia envolvida neste tipo de argumentação (conhecida internacionalmente como «greenwash»). Consideramos ser necessário, antes de mais, um maior incentivo à pedonalidade em meio urbano, essa sim, o meio de transporte ambientalmente mais sustentável. Um outro meio de transporte com reconhecidas vantagens e potencialidades, particularmente em meio urbano, é a bicicleta, e os problemas inerentes à regulamentação da sua circulação em espaço público não estão ainda solucionados em Portugal. Neste sentido, insistimos que se deverá aproveitar esta ocasião para reavaliar uma vez mais todo o Código da Estrada, colocando a pedonalidade como critério central, tomando especial atenção a outros meios de transporte efectivamente alternativos ao automóvel. De uma vez por todas, tem de ficar claro que, ao contrário do que se pensava no século XIX e em boa parte do século XX, o transporte individual não é um sinónimo absoluto de progresso e bem-estar da sociedade. É pois essencial, do ponto de vista ambiental, da qualidade de vida e da segurança dos cidadãos tomar medidas que devolvam o espaço urbano ao peão.
(...)
A ACA-M considera que, tendo em conta o panorama actual das condições do espaço público e da rede viária em Portugal, em particular em meio urbano, a utilização destes «dispositivos de auxílio à mobilidade», sejam os Segways, sejam outros VEP, vem levantar inúmeros e sérios problemas à segurança dos utentes mais frágeis - os peões - e até dos próprios utilizadores de VEPs, sobretudo se o local de circulação for o passeio.


Tal como a autorização do uso das bicicletas nos passeios, colocar um equipamento motorizado sobre os passeios é transformar o VEP, de um meio de transporte eventualmente sustentável, num possível predador de um outro meio ainda mais sustentável, mais vulnerável, em declínio de utilização e ao qual todas as políticas nacionais e europeias recomendam especial protecção e encorajamento em meios urbanos nas próximas décadas - o peão.
(...)
Neste contexto, o surgimento deste ante-projecto não constitui uma surpresa: argumentar que é perigoso o uso do Segways ou de outros VEPs nas vias de circulação motorizada e considerar ser mais seguro o seu uso nos passeios é um raciocínio esperado num país com um forte paradigma motorizado entre os decisores, onde desponta uma cândida atracção pela inovação dita "sustentável" (o referido «greenwash»), com fraca consciência holística dos problemas da mobilidade urbana (urbanidade, civilidade, acessibilidade, obesidade, velocidade, etc.), e com fraca ou inexistente defesa cívica da pedonalidade.

Para saber mais:

13 comentários:

  1. Esqueceram-se do muppis, dos contentores e caixotes do lixo, eco pontos, postes de iluminação e até arvores há a ocupar passeios.

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  2. Excelente exposição. É, de facto, um problema difícil de enquadrar. Neste momento estamos a ser inundados por veículos que se enquadram nesta lacuna.

    Há outras duas situações que eu acho muito caricatas:

    -é o caso dos chamados "automóveis sem carta". Não precisam de carta, mas partilham as estradas em igualdade de circunstancias com os restantes veículos motorizados, e são responsáveis pelas maiores barbaridades na estrada, colocando todos em risco.

    -outra situação são as bicicletas de assistência eléctrica. Aqui por Aveiro estão a vender-se como cogumelos, são autenticas scooters, andam como scooters, são muito mais silenciosas, não é obrigatório o uso do capacete nem licença de condução, e podem circular nas ciclovias.

    Alguém vai ter que ter a coragem para abordar estes problemas e arranjar uma solução.

    Não queremos empurrar os VEP's e as bicicletas eléctricas para cima dos peões, mas também é certo que não temos condições para coloca-los no meio dos automóveis. Vai ser complicado...

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  3. Concordo quase na totalidade com o exposto, refiro apenas que, a meu ver, não há lugar para os veículos eléctricos pessoais nas nossas cidades: Na estrada empata o trânsito automóvel; como ciclista não vejo com bons olhos ter esses monos nas ciclovias; e, logicamente, não há peão que os queira nos passeios.
    Simplesmente deveriam ser proibidos. Mas isso só acontecerá, hipoteticamente, depois de uns quantos acidentes mortais (de preferência uns atrás dos outros, como bem gosta a comunicação social).
    Claro que deve haver excepções e sempre com limitadores de velocidade, por ex para pessoas com problemas de mobilidade; para o distribuidor de leite (se ainda existirem), eventualmente para o trabalho de policiamento, etc.
    Para o comum cidadão, acho que não.
    A não ser que se criassem vias próprias só para esse tipo de veículos, mas não estou a ver isso possível, talvez se deitarem tudo abaixo e contruirem de novo; mas mesmo assim vemos bem o que (não) foi feito na Expo, onde os nossos engenheiros, arquitectos e louváveis políticos tiveram todas as oportunidades para fazer bem.
    Se fizessem um referendo parece-me que o povo preferiria vias para segways do que ciclovias e até prescindiria dos passeios, bastava uma rampa para entrar e sair de casa (certamente dentro das próprias casas também os utilizariam).
    Por este andar, daqui a uns anos estaremos como nos retrata o filme da Disney/Pixar – WALL-E, todos obesos, permanentemente ligados às redes sociais e sempre a «segwar….».

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  4. Tendo em conta que um Segway ocupa sensivelmente o mesmo espaço de um peão no passeio, porquê o drama? O Segway foi desenvolvido de forma a poder chegar a todo o lado que uma pessoa a pé chega.

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  5. A segway anda a fazer o seu trabalho de casa, que é arranjar forma de tornar atractivo o seu produto, que neste momento nem é carne nem é peixe.
    De qualquer forma, pelo preço do veículo, nunca será muito presente, pelo menos na nossa sociedade sem poder económico.
    Eu nem para seguranças, polícias, etc, considero uma boa opção. São militares e para-militares, que façam exercício! ou está provado que desempenham melhor o seu trabalho "estacionados" em cima daquele pedestral andante? (apenas vejo como vantagem a posição elevada, mas isso não justificará que seja usado em qualquer situação).

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  6. Para além de todos os obstáculos lembrados aqui no excelente blog, não se esqueçam da 'comunidade muito unida numa turminha que ocupa o passeio': os fumantes. Nem se pedindo 'com licença' várias vezes, nem com um 'por favor', não dão passagem! E ainda nos medem de alto à baixo, como se não tivessemos direito ao passeio!
    E, concordo com o terceiro anônimo, sou contra o uso do 'brinquedo' pela polícia. Muito mais resultado teria se andassem, fazendo uma ronda a pé, como nos áureos tempos!

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  7. ...e os carros a passar nas possas de água? Já viram como é uma aventura andar a pé em dias de chuva? Não há guarda-chuva que nos proteja quando a chuva tb vem debaixo.

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  8. Anónimo das 14:36, a diferença é que o segway tem 50 kg e pode atingir velocidades de 20 km/h, isto é 4 vezes mais alta que um peão.

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  9. Anónimo das 14:36: a diferença é que o segway pesa 50 kg e pode atingir velocidades de 20 km/h, isto é 4 vezes a velocidade de um peão.

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  10. cada vez gosto mais da ACA-M...

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  11. A culpa não é dos Segways. Tudo o que não é carro é "empurrado" para os passeios. E que se lixe o peão desde que o popó circule imaculadamente

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  12. Devem pensar que a comidinha ranhosa que comem nas tascas fedorentas do BA vai lá para de bicicleta!

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  13. Sou mais a favor de criarem as ciclovias na estrada, roubando espaço ao automóvel do que ao peão! Acho que nem que tivessemos passeios lisos com 5 metros de largura suportaria a ideia dos veículos nos passeios.

    CC

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