Opinião

O Passeio Livre é uma plataforma cívica que ao longo dos últimos meses tem justificado a sua acção com fotografias e testemunhos que demonstram o estado geral do estacionamento nas cidades portuguesas. Se agimos é por acreditarmos que a falta de vontade e de meios das autoridades para controlar o estacionamento abusivo tem prejudicado a qualidade de vida de todos. Temos direito a exigir uma mudança neste estado de coisas porque ele é um fenómeno recente e descontrolado mas que pode alterar-se.

A nossa linha editorial tem evitado apresentar as opiniões de cada um dos seus elementos. Tal deve-se, naturalmente, a divergências quanto às soluções do problema, solução essa que passa irremediavelmente pelo poder político. A nossa opinião é que não é de todo justo que sejam os peões a ser afectados em exclusivo pela falta de espaço que o excesso de automóveis numa dada cidade obriga.

No caso de Lisboa, cidade onde sempre vivi, a gravidade do problema é notória. É um flagelo vergonhoso. Ainda ontem, o DN publicava outro sinal de alarme, onde os automóveis, como conjunto, são os directos e únicos culpados. O estudo conclui que há uma correlação entre a poluição e a mortalidade. Atribuir a causalidade é uma questão mais delicada mas não sejamos ingénuos ao ponto de menosprezar os factos apresentados e que um passeio a pé nos permite de imediato sentir.

A nossa linha editorial tem apresentado dados brutos: fotografias de profundo desrespeito dos automobilistas pelos peões. Um juízo mais abrangente compete aos leitores. Não temos fornecido pistas. Até hoje. Que me perdoem os restantes elementos do Passeio Livre mas há situações em que não devemos ficar indiferentes. Li há momentos uma declaração do presidente do ACP, o Sr. Carlos Barbosa.

É decerto muito curioso que um clube de automóveis tenha ambições de interferir no processo político. Não só isso, fiquei com a impressão de que o Sr. Carlos Barbosa julga defender a própria cidade através da defesa de um meio de circulação. Só demonstra o peso que o automóvel tem na nossa sociedade. Não quero defender a posição de António Costa, até porque me parece que propor limitações ao trânsito automóvel sabendo-se que a nova ponte introduzirá mais volume de tráfego é contraditório. Contudo, mais do que uma posição política, o que me parece de valor é a mudança de discurso que é inaugurada. Quer António Costa quer Manuel Salgado, a julgar pelas suas palavras, pretendem valorizar outras formas de mobilidade e introduzir um novo equilíbrio nos transportes; para já é a zona ribeira mas quanto a mim é algo que será necessário introduzir em toda a cidade.

É por isso que a posição do presidente do ACP deve ser refutada e criticada. Não pode ser levada a sério, é apenas uma caricatura que mais cedo ou mais tarde pertencerá ao passado. Defender a cidade e os seus habitantes não é o mesmo que defender o automóvel. Defender o automóvel no estado actual de coisas é precisamente o contrário. É prejudicar quem cá vive. Se o Sr. Carlos Barbosa diz que quer evitar uma ilegalidade e evitar o caos na cidade de Lisboa eu pergunto-me se conhece realmente a cidade.

Onde está o paladino quando diariamente os automóveis introduzem ilegalidades? Onde está a preocupação perante o caos, o feio e a poluição que os automóveis trazem? Como pode alguém afirmar sem se rir que é uma coisa irrealista, que é pôr a cidade a andar de bicicleta e a pé?

A qualidade e eficiência dos transportes públicos e dos modos suaves estão directamente relacionadas com as desvantagens da viatura particular. É claro que uma viatura é muito mais confortável, mas apenas para o seu utilizador. O que deve ser apreciado é que as desvantagens para todos são muito maiores que a vantagem particular. A conclusão é que o tráfego automóvel em Lisboa tem de ser diminuído através de taxas dissuasoras e fiscalização mais apertada. Ou o presidente do ACP mente ou o presidente da ACP é ignorante. Não há outra possibilidade.

Tiago Mesquita Carvalho

13 comentários:

  1. Sou sócio do ACP há muitos anos. O ACP não é um clube "de automóveis", como o Tiago por lapso refere, mas sim de cidadãos automobilistas. Sou também um defensor dos direitos dos peões.

    Não me revejo nas posições do presidente do ACP. O ACP defende, obviamente, os interesses dos automobilistas portugueses; como associação de condutores que se querem responsáveis e civilizados, não pode pretender fazê-lo à custa da saúde ou da segurança dos peões que todos somos. Se é claro que a circulação automóvel tem sempre algum tipo de impacto no ambiente e no conforto dos cidadãos, cabe ou deveria caber ao ACP colaborar com todas as entidades, incluindo a CML e iniciativas como o "Passeio Livre" para encontrar, em cada momento, soluções razoáveis e justas para os problemas.

    Finalmente, deixo aqui uma sugestão: a criação de um autocolante a colocar voluntariamente nos automóveis dos activistas e simpatizantes deste movimento (Passeio Livre) (provavelmente no interior do vidro traseiro) com uma inscrição do tipo: "Não penso só no meu umbigo: respeito os peões ao estacionar". Que acham?

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  2. Parabéns!
    Cada vez que leio no jornal a posição da ACP fico irritadissimo e a pensar exactamente de acordo com este post. Já agora, como podemos levar o nosso desagrado à ACP? Como podemos mostrar a António Costa que a única esperança para a continuidade do seu poder é atrair/surpreender uma geração que quer uma cidade mais humana?
    Cumprimentos!

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  3. Paulo, já alguém uma vez sugeriu esse mesmo autocolante e até me parece uma boa iniciativa, o meu único «se não» é que rapidamente descobriam aqui no meu bairro que é o «homem dos tós»...

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  4. Tiago, estou totalmente de acordo com a sua opinião. Quanto ao sr. Barbosa, defende cegamente o seu lugar, sem entender os problemas de caos e de saúde que o intenso movimento automóvel provoca numa cidade, como a sua/nossa Lisboa.

    Quanto às autoridades autarquicas, estou curioso para saber se nos seus manifestos eleitorais para Outubro, dedicam desta vez alguma atenção e apresentam acções e soluções para combater o flagelo do mau estacionamento dos veículos nas suas cidades e vilas.

    LC

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  5. Sabes o que é um providência cautelar?

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  6. Bom mesmo era uma providência cautelar para proibir a circulação de cidadãos a pé e, já agora acabar com os passeios.

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  7. E já agora colocar teletransportes em cada edifício para evitar andar na rua. Assim as pessoas que quisessem andar de carro podiam fazê-lo sem correr o risco de atropelar aqueles loucos que ainda têm a lata de querer andar ao ar livre... Então e os tipos de duas rodas e a pedais? Ui, que chanfrados.

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  8. LC, os manifestos eleitorais não passam de um conjunto de tretas que desde há 35 anos têm vindo a ser vomitados por TODOS os políticos da nossa praça, sem excepção, com peculiar incidência nos 3 partidos de alterne governativo: PS, PPD e CDS. Ora sózinhos, ora coligados, ora agora governo eu, ora agora governas tu, até parece que este Povo não conhece mais ninguém para lhe dar na mona, se não estas três jóinhas da Coroa... O ano passado, o sr. Costa, o tal que ainda é presidente da CML, afirmou alto e bom som que iria aparecer a TOLERÂNCIA ZERO para o estacionamento selvagem. Já passou quase um ano e o que se fez? ABSOLUTAMENTE NADA, NIENTE, NÉPIAS!!! Entretanto, ainda hoje, ao sair do CC Amoreiras, em frente a uma das entradas, existe uma praça de táxis e a minha revolta não explodiu porque eles (os bófias) têm sempre razão: um dos táxis que estava em último lugar, já um pouco fora do local de estacionamento, digamos metade do carro no sítio e a outra metade na estrada, à espera que saisse o colega da frente para poder encaixar no sítio, quando um agente da Polícia Municipal (CML) começa a mandar vir com o motorista porque ou tirava o carro dali ou havia recibo para pagar... Porra, pá! Quem anda a trabalhar neste País está sempre lixado (e eu não sou motorista nem sequer tenho carro) porque estes tipos andam sempre atrás dos que andam a vergar a mola, logo ali a meia dúzia de metros deste zeloso agente da PM, estavam carros estacionados em cima do passeio e em locais com sinal de proibição, e estes safam-se na maior e sem problemas! Ainda vocês acham que isto vai ter pernas para andar? Eu já deixei de enviar e-mails para a PM da CML porque deixaram de responder. O trabalho é tanto que coitados, nem sequer dão resposta às queixas apresentadas pelos munícipes... Ah! Continuem a ir na cantilena destes marmanjos e não se esqueçam de continuar a votar neles nas próximas eleições...

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  9. Também sou sócio do ACP, há 17 anos, e o Sr. Barbosa já me tentou várias vezes a cancelar a inscrição. Pondo de lado a questão política (já é grave que uma instituição como o ACP se cole flagrantemente a um partido, seja ele qual for), esse senhor só diz barbaridades, sem conseguir perceber que não está realmente a defender os automobilistas.
    Por estes dias tenho vergonha de ser sócio do ACP.

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  10. E esperem só até o homem falar do autocolante do Passeio Livre... Daquela cabeça só poderá vir a defesa dos automobilistas que estacionam em cima do passeio...

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  11. Um autocolante na testa do Barbosa, já!

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