À PORTA DA ESQUADRA

«Companheiros:

Aqui vos deixo mais um relato sobre o quotidiano de um peão. Caso queiram, usem à vossa vontade.
Eu até nem costumo caminhar por aqui. Mas o tempo estava bom, eu não tinha pressa e queria ir fazer umas fotografias ali à junta de freguesia.
E, quando dei por mim, não consegui passar: mesmo à porta da esquadra de polícia estava a moto que aqui se vê, barrando o caminho aos peões.
Achei que era demais. De uma forma ou de outra, e mesmo não gostando, vamos estando habituados aos passeios selvaticamente, e à margem da lei, ocupados por viaturas. Mas mesmo à porta da esquadra de polícia ultrapassava todos os limites do tolerável!
Entrei na esquadra e, quando o agente de serviço me questionou sobre o que ali me levava, expliquei-lhe que queria passar e não podia.
“Onde?”, perguntou ele.
“Ali mesmo à vossa porta. Aquela moto não me deixa espaço para caminhar no passeio.”
Saiu ele do edifício e, com um à-vontade que então estranhei, dirigiu-se-lhe, endireitou o guiador e, fazendo equilíbrio do lado de cá, que é um declive, e encolhendo a barriga do outro, por via do murete baixo, deu umas três ou quatro voltas em torno da moto.
De regresso a junto a mim, disse-me:
“Vê? Eu passei à-vontade, e peso 106 quilos!”
E regressou ao interior da esquadra.
Confesso que fiquei sem resposta.
Da ineficácia, do fechar de olhos, da tolerância policial, todos temos consciência e já o constatámos pessoalmente.
Agora que ironizem e que brinquem connosco quando nos queixamos de uma ilegalidade, é bem mais do que o cidadão comum pode esperar.
Ainda estive para o seguir ao seu posto de trabalho, pedir-lhe a identificação e chamar pelo graduado de serviço, a quem apresentaria uma queixa formal da moto estacionada e outra do comportamento do seu subordinado. Mas dentro de uma esquadra, queixarmo-nos de um agente que ali está de serviço não é, certamente, das coisas mais salutares que podemos fazer. Fiquei-me pelo registo fotográfico.
Mal tinha tido tempo de fazer esta única que aqui se vê quando sai da esquadra um homem que, junto à moto, sorriu para mim, pôs o capacete, subiu para ela e abalou.
Conclui que tinha, de facto, feito o melhor. Enfrentar o corporativismo policial no seu terreno não é, certamente, a melhor coisa a fazer em prol da saúde, mais a mais quando acontece no nosso bairro de residência.
Fica o relato, a identificação do veículo, que a tenho, e o fazer chegar este episódio ao comando da PSP.
Esqueceram-se, estes agentes, que o direito à indignação e ao protesto é inalienável. Tal como se esqueceram que são funcionários públicos e que quando um cidadão a eles se dirige é suposto responderem com a urbanidade que a sua farda e função exigem
Divirtam-se e aproveitem bem a luz»
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9 comentários:

  1. Sugiro uma queixa à Inspecção-Geral da Administração Interna, com indicação de data e hora dos factos. Não tenha grande esperança nos resultados, mas não deixe de o fazer.

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  2. Há mecanismos para meter na ordem os agentes policiais e os fiscais da EMEL que não actuam quando devem (e, mais ainda, quando são chamados para actuar e se recusam a fazê-lo).
    Ainda há dias, tomei conhecimento de uma acção dessas, que levou um cidadão a fazer queixa à Provedoria de Justiça devido à recusa de actuação.

    Por experiência própria, sei que o processo demora, mas vale a pena.
    Aliás, se a queixa for feita pela Internet (como eu fiz), recebe-se logo um "recibo", com uma referência, etc. E pode saber-se o seguimento da queixa.
    Se esta for devidamente documentada, garanto-vos que o funcionário em causa não volta a esquecer-se do que fez (ou do que não fez).

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  3. Com autorização do próprio, aqui fica a reclamação a que refiro no início do meu comentário anterior:


    Exmo. Senhor
    Provedor de Justiça,

    (...), morador na Av. Elias Garcia (...) Lisboa, vem por este meio apresentar a V. Exa. uma Queixa contra a Câmara Municipal de Lisboa, e em particular contra a Direcção Municipal de Trânsito - Departamento de Segurança Rodoviária e Tráfego, por omissão de acção na resolução de problemas de estacionamento automóvel indevido em zona pedonal (Av. Conde Valbom) nas proximidades da Secretariado Nacional de Reabilitação para a Integração das Pessoas com Deficiência.

    Dei, através de requerimento, conhecimento da situação a esta entidade a 25 de Maio último, mas já a tinha informado há alguns meses através do portal http://naminharua.cm-lisboa.pt, cuja acusação de recepção reproduzo abaixo. Mais informo que contactei este organismo por escrito, a fim de obter a reparação do problema, indicado mesmo solução óbvia e de reduzido custo (colocação de um conjunto de 6 pilaretes adicionais no local).

    Abaixo, envio cópia das exposições que fiz. Não fui nunca contactado por qualquer serviço camarário, mas recebi da Direcção do Instituto Nacional de Reabilitação uma resposta, reproduzida abaixo, informando que remeteu um Ofício para a CML no sentido de resolver a situação.

    Ao chamar a atenção para o problema da omissão de acção por parte da Câmara Municipal de Lisboa em relação ao problema candente do estacionamento indevido sobre o passeio, num caso exemplar como o de uma via pedonal e na proximidade do Secretariado Nacional para a Reabilitação da Pessoa com Deficiência, pretendo que esta entidade assuma plenamente a sua responsabilidade como entidade gestora dos espaços públicos viários da cidade de Lisboa, de forma a impedir a situação presente de profunda iniquidade no relacionamento entre cidadãos que resulta da impunidade com que milhares de automobilistas estacionam sobre passeios e passadeiras, em contravenção do disposto no Código da Estrada, dificultando a circulação de cidadãos que se deslocam a pé nas vias urbanas, e colocando-os amiúde sob risco de atropelamento. Tendo a autarquia aprovado em executivo camarário, em 2007, uma Carta Municipal de Direitos dos Peões (cuja cópia pode ser lida em: http://www.aca-m.org/w/images/f/ff/Carta_municipal_de_direitos_dos_peoes.pdf), que reconhece o "Direito à livre circulação com passeios isentos de viaturas estacionadas ou outros objectos que pelas suas características ou dimensões dificultem ou impeçam a passagem dos peões, tais como pais com carrinhos de bebé, deficientes motores, etc.", tem agora a responsabilidade acrescida de a implementar com urgência.

    Mais considero urgente que a autarquia defenda os direitos dos seus munícipes, tendo em particular atenção que apenas 40% dos agregados familiares da cidade de Lisboa têm automóvel, que a população é muito envelhecida (30% da população tem mais de 60 anos), e que, contando idosos, jovens até aos 12 anos, deficientes de vário tipo, permanentes ou temporários, 35% das pessoas que habitam e circulam na cidade têm alguma forma de mobilidade reduzida. A omissão de acção da CML atenta, neste particular e em muitos outros, contra o Decreto-Lei nº163/2006, que define o Regime da Acessibilidade.

    Envio em anexo fotografias ilustrativas da situação reportada à CML.

    Peço Deferimento

    [Assinado]

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  4. Disse há uns tempos que estas amostras de projecto de ser humano mereciam andar com uma pistola de água e um dildo em vez de uma arma e um cassetete, e volto a dizê-lo. São uma vergonha para a instituição que representam.

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  5. @ CMR 27 de Junho de 2011 12:53: Li atentamente a "Carta Municipal de Direito dos Peões", através do link afixado no seu post e, numa primeira análise, pensei: estes tipos da CML só podem andar a gozar com o cidadão... Mas onde param todos (ou alguns, para amostra), dos "direitos" de podermos circular livremente pelos passeios, sem estarmos sujeitos a empecilhos estacionados ilegalmente em ordem ao que se encontra consignado no Código da Estrada?


    Reli novamente o documento e um parágrafo chamou-me então a especial atenção: «Assim, propomos que qualquer cidadão-peão tenha os seguintes direitos:... ...».

    Ora, esta Carta não passa de uma "proposta" de boas intenções mas como disso está o Inferno cheio, comprova-se que realmente não passa disso: uma proposta...


    Corrija-me se estiver enganado...


    Cumpts.

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  6. Caro Alien3065

    Não sei pormenores sobre a "Carta Municipal de Direito dos Peões", mas certamente que o autor da reclamação sabe.

    Assim, vou contactá-lo, enviar-lhe o 'link' para este 'post', e pedir-lhe que nos esclareça.

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  7. Caro CMR, obrigado, porque se a Carta apenas se ficou pelas "intenções" propostas, é uma situação; se avançou de proposta a aprovação, o caso muda de figura por tudo o que já foi enunciado...
    Cumpts.

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  8. A Carta Municipal de Direitos dos Peões foi aprovada por unanimidade no executivo da Câmara Municipal de Lisboa em 3 Outubro de 2007: http://www.cidadaosporlisboa.org/index.htm?no=59100000839,049

    Posteriormente, a Vereação municipal promoveu a sua assinatura conjunta com a ACA-M e a APSI, autoras do texto original da Carta.

    No próximo dia 12 de Julho, a Câmara Municipal de Castelo Branco assinará uma Carta semelhante.

    Grão a grão...

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  9. @ Manuel João Ramos | 28 de Junho de 2011 02:18: obrigado pela informação. Neste caso, algo vai mal no Reino da Tugulândia...

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