Expresso: Paquetes? Ok. Mas e os passeios?

Lisboa vai ter um novo cais para os paquetes. Óptimo. Mas só uma pergunta: antes das mega-obras, Lisboa não podia tratar das coisas pequenas como os passeios e o lixo?

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I. Neste momento, desembarcar em Lisboa é o mesmo que ver contentores, tapumes e cais cheios de contentores. Segundo alguns, é uma visão pouco turística. Neste sentido, a Administração do Porto de Lisboa decidiu reverter esta situação: Lisboa, a partir de 2013, vai acolher os visitantes dos luxuosos paquetes num novo cais, junto ao Jardim do Tabaco, que junta arquitectura de topo e espaços verdes.

II. Não tenho nada contra esta obra. Aliás, acho que já vem tarde. O turismo deveria ser sempre uma das nossas principais apostas, e é quase certo que o dinheiro nele investido tem retorno. Porém, deixo aqui um desafio: prolonguemos o passeio destes turistas recém-chegados. Vamos lá imaginar o 'bife', cheio de dinheiro, que chega ao novo cais: ficará, com certeza, encantado ao início, perante o tal cais super-moderno; mas depois ficará desiludido à medida que for entrando no interior da cidade real. É que essa nova porta de entrada perfeita não encaixa (não encaixará) na cidade real, cheia de lixo e com a calçada em permanente caos.

III. É este o meu ponto: não faz sentido investir em novas macro-estruturas, e em projectos milionários, quando não se cumprem os mínimos. Quando chega às ruas da cidade, o turista avisado deve olhar para o chão: se noutras paragens a beleza está em cima, em Lisboa o perigo espreita de baixo. A famosa calçada portuguesa é uma ameaça para as pernas que não calcem sapatos todo-o-terreno: torta, com pedras falhas e oleosas, a calçada parece ser uma metáfora da relação de ódio que existe entre os portugueses e Portugal. A beleza que nela poderia existir esvai-se no desmazelo com que é tratada pelas autoridades autárquicas. E a questão é relativamente simples: ou é devidamente cuidada, com os custos que tal implica, ou então não vale a pena.

IV. E o lixo? O que dizer do lixo? Para quê ter um mega cais super-perfeito, quando temos uma cidade sempre suja de papéis, plásticos e porcaria de cão? Meus amigos, o turista não é otário, e não se deixa enganar por mega-obras para inglês ver. Antes de entrarmos nos mega-projectos, temos de limpar a cidade. É mais barato, e garante mais turistas. Em 2013, quando regressarem a casa, qual será a primeira coisa que os 'bifes' dirão aos amigos? "Ah, Lisboa tem um belo cais" ou "Lisboa é uma cidade suja e mal tratada"? 

Henrique Raposo In Expresso

4 comentários:

  1. por acaso acho este um mau argumento. duas justificações:
    - para o turista o lixo e a falta de qualidade de vida é o menos. lisboa pitoresca é como Palermo para mim, apesar de suja tem o seu encanto e eles vivam como quiserem que eu só lá vou estar 5 dias e até me sai mais barato estacionar em qualquer lugar ou mandar uns papeis para o chão.
    - somos nós, os lisboetas, a principal razão da falta de respeito pelo espaço público. A CML, a Policia e o governo faziam bem em fiscalizar com mais preceito a lei; nós os cidadãos fazemos bem em ser mais exigentes em tudo e com todos os que abusam. Por nós, que vivemos cá.

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  2. Dezenas de fotografias que demonstram "o ódio pela calçada portuguesa" podem se apreciadas [aqui].

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  3. >> "Lisboa é uma cidade suja e mal tratada"

    Foi quase literalmente isso que uns amigos meus vindos da Alemanha me disseram e eu relutantemente fui obrigado a dar-lhes razão.

    Enfim...

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  4. É inegável que a CML não está minimamente interessada em resolver o problema do lixo nas ruas, nem o do estacionamento sobre os passeios, mas vocês pensam que o tal cais para paquetes vai ser feito para agradar aos turistas?

    Vão fazer um cais topo de gama porque isso vai encher os bolsos a muita gente, principalmente aos construtores e aos políticos que forem subornados para lhes concederem facilidades!

    Se eles realmente se preocupassem com o bem estar dos turistas, começariam precisamente pela limpeza da cidade e por criar um ambiente que não os levasse a saírem de cá a dizerem que gostaram da luz, do sol e do clima mas a lamentar a porcaria espalhada nas ruas e os carros a travar-lhes o caminho cada vez que tentam deslocar-se num passeio.

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