Da Alemanha até à caixa de comentários


Estou a escrever para vos contar uma pequena história que me aconteceu na Alemanha já lá vão uns 10 anos. Andava eu a tratar da minha vidinha quando num dia de má sorte me lembrei de deixar o carro numa zona de estacionamento limitado no tempo - este é um conceito interessante que mostra o muito que estamos atrasados em termos de consciência cívica neste triste país.


A ideia é ter zonas de onde o tempo de estacionamento está restringido a um período máximo, creio que uma hora, já não me recordo com toda a certeza. Para os fiscais de transito, saberam quando estacionámos o carro, temos um cartão que tem impresso um mostrador de relógio e um ponteiro plástico que podemos ajustar, marcando desta forma a hora de chegada, apenas temos que deixar este cartão dentro da viatura em local visível. Notar que fora esta limitação, o estacionamento é grátis. É óbvio que este conceito teria um sucesso nulo se fosse aplicado em Portugal - por razões também elas óbvias!

Neste ponto entram as velhinhas. As multas de estacionamento não são passadas pela polícia. Em vez disso há pessoas (em regra pessoas reformadas) que armadas com um pequeno aparelho, passam de forma rápida e eficiente as multas necessárias, sem poupar no papel, diga-se. Assim a polícia fica com mais recursos para desempenhar tarefas mais importantes e todas as pessoas que estacionam indevidamente podem ter um expectativa bastante razoável de serem multadas, dado que o fornecimento de velhinhas parece inesgotável e a vontade que estas têm de multar também!

Outro ponto a ter em conta é que a multa é passada muito depressa, a pessoa limita-se a introduzir um código (que define o local, penso eu) e a matricula do automóvel. Em contraste, já todos observámos os nossos polícias que levam meia hora a passar uma triste de uma multa e isto na melhor das hipóteses. Se entretanto o automobilista chega então leva-se muito mais tempo dado que por um lado ainda o vão identificar e por outro a própria polícia não se safa de ouvir a ladainha do costume: "oh, sr. guarda perdoe lá a multinha" - que triste!

Voltando à minha história, esqueci-me de referir que estava numa pequena vila, com muito poucos carros, ou seja a necessidade de espaço de estacionamento não era muito grande. Apesar disso, quando cheguei dez minutos depois do tempo limite, já la tinha a respectiva multa. Ou seja, não há avisos prévios, não aparece o polícia a pedir por favor para tirarmos o carro e darmos um jeitinho. Assim que se está em transgressão, a multa é aplicada.


O engraçado é que, ao contrário do que se faz nesta terra de umbiguistas, as pessoas aceitam esta situação sem qualquer problema. Não se diz que a polícia anda na caça à multa. A polícia e os fiscais cumprem o seu dever, que é muito simples: sempre que observam uma transgressão aplicam a respectiva multa. Os outros cidadãos, por outro lado, aceitam isto como pessoas adultas que conhecem as regras da sociedade onde vivem. Como resultado liquido disto tudo aumentam substancialmente a respectiva qualidade de vida.


Se calhar o que Portugal necessita é maturidade e pessoas que pensem como adultos e não como putos mimados.

17 comentários:

  1. Vou dar um exemplo de "maturidade". Tenho um amigo que trabalha em Entrecampos o qual ficou a saber que chegaram a oferecer um telemóvel ao arrumador e os respectivos números de telefone, para que quando chegasse o dono de um veículo tapado por outro em 2ª ou 3ª fila, ou a polícia, os contactassem pelo tlm. o dono da mercearia nessa rua diz que o arrumador é o primeiro a comprar fruta fora de época, tal é o que ele ganha à custa dos automobilistas otários. Chegam-se a dar ao luxo de colocar pinos de plástico a reservar lugares para os que lhes pagam mais.

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  2. Comportamento típico em terras sem lei.
    Aposto que quem suporta este esquema se gaba a todos os seus amigos, colegas e familiares, como sendo muito esperto. Chico-esperto, claro.

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  3. Continuo a pedir contribuições para a minha pesquisa linguística: haverá algum lugar do mundo, além de Portugal, onde haja alguma expressão semelhante a "indústria da multa"? Seremos nós os únicos a chegar a esse nível de desculpabilização, a ponto de atribuir razões de alguma maneira ilegítimas ao cumprimento da lei quando é contra nós que ela se aplica?

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  4. Não é necessário ir até à Alemanha para termos um comportamento completamente diferente.

    Em Espanha já assisti a uma cena em que a policia começa a multar carros parados em segunda fila e imagine-se com os condutores por perto. É claro que isto foi perto da fronteira e os condutores eram portugueses que estavam a fazer umas comprinhas de última hora. Como toda a gente sabe o sitio ideal para parar nesta circunstância é no meio da estrada, naturalmente...

    Como acontece cá, assim que chega a polícia começaram a tentar fugir do local os condutores mais afastados. Nem pensar! A polícia imediatamente deu ordem de paragem a todos aqueles que tentaram fugir e só puderam abandonar o local DEPOIS de pagarem a multa.

    Julgo que existe uma dissonância neste país entre o correcto em abstracto e o correcto na prática. Há algum psicólogo ou sociólogo que possa explicar isto? - A mim parece-me que não é saudável esta diferença. Será isto um sintoma de uma sociedade doente?

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  5. Bom comentário hgg. Aliás, ambos. Eu diria que há em Portugal uma prevalência do costume ou do hábito sobre a lei. É a própria doutrina que não é levada a sério. O pior mesmo é que não há censura nem pressão colectiva. Os prevaricadores são aceites e não são corrigidos pela moral da sociedade civil. Fica-se à espera das autoridades ou que, espontaneamente, tudo se resolva.

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  6. Uma sociedade em que o homem/mulher liberta a sua frustração na família, num campo de futebol ou no trânsito como mais nenhuma outra na Europa, é sintomática do estado doentio e decadente em que ela se encontra. O estacionamento indevido é apenas mais uma extensão do total descontrole mental e civico do português. Sinto saudade de cortesia, de amabilidade, de respeito, que havia há não muitos anos atrás.

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  7. Como querem que os portugueses não se comportem como putos mimados se os papás, ou os agentes da autoridade, os deixam ter tudo o que querem?

    Então e os bons exemplos dos políticos, que em vez de de admitirem os seus erros arranjam sempre desculpas esfarrapadas para tudo e ainda arranjam espaço para insultar e desacreditar infantilmente quem quer que lhes aponte o dedo?

    Se os nossos dirigentes são assim, todos os anormais por esta terra fora se sentem no direito de o ser.

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  8. Eu também trabalhei na Alemanha durante muito tempo, e em várias cidades. Demorou pouco tempo até perceber que as infracções cometidas eram SEMPRE punidas - e de imediato.

    Na realidade, um sistema de multas de baixo valor (mas aplicadas de certeza) é muito mais eficaz do que o inverso (multas de valor alto mas raramente aplicadas).

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  9. Falaste tudo . Percebe-se claramente a diferença de maturidade nas atitudes ...

    Infelizmente aqui parece que temos a mesma herança cultural nesse sentido ... só que aqui apelidamos essa "malandragem" ao se fazer transgressões (nao apenas no transito mas em qualquer lado) de "jeitinho brasileiro"

    saudações.

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  10. Aqui deixo mais uma achega que prova bem o quão atrasados estamos em questões de civismo, comparativamente o outros povos europeus. Curiosamente a história também se passou na Alemanha.
    Há 2 anos, estava numa pequena cidade alemã (Hagen) e no segundo dia da minha estadia fui interveniente neste história bem elucidadtiva.
    Encontrava-me no passeio, junto a uma passadeira, entre um grupo de umas 15 pessoas (alemãs) que esperavam para atravessar uma rua. O sinal para os peões estava vermelho mas à boa maneira portuguesa, meti a cabeça à frente do grupo para olhar para a esquerda na esperança de que não houvesse mais carros e tentar fazer o que todos aqui fazemos quando não há carros à vista: atravessar.
    O problema é que no momento em que fiz esse gesto, aqueles 15 alemães olharam-me de modo reprovador como se eu estivesse prestes a cometer algum crime!
    Foi aí que me apercebi que não estava em Portugal e que ali, as leis eram respeitadas e para cumprir. Fiquei envergonhado e muito quietinho, observando que, embora não houvesse movimento de carros, ninguém fez o mais pequeno gesto para atravessar a rua, enquanto o sinal se manteve vermelho (coisa impensável em Portugal).

    O nosso maior problema é de educação e infelizmente essa educação não se adquire de um momento para o outro nem por decreto. Isto leva-nos a que, se não houver uma revolução total de mentalidades logo no ensino primário e em casa, tudo continuará na mesma e daqui a 20 ou 30 anos ainda andaremos a agir da mesma maneira.

    Faísca

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  11. Apartir de hoje, vou começar a distrubuir resmas de autocolantes aos reformados que encontrar nos jardins da cidade. Depois de explicado o objectivo do autocolante, com certeza que eles vão aceitar o desafio e colaborar nas colagens.

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  12. hgg: Eu cheguei a circular em Espanha atrás de um automóvel português que vinha a cumprir as regras todas em território espanhol e que mal entrou na A6, foi para a faixa do meio e desatou a acelerar feito maluco....não tem a ver com educação tem a ver com a permissão!

    Faísca: Bastou umas notícias da ASAE e depois a lei anti-tabagismo em cafés para o "Português Suave" a acatar de um dia para o outro!! Foi bem educado ou não?

    ;o)

    Concordo com o L.U.I.S., o nível de pequenas prevaricações dos habitantes tem correlação com o nível de corrupção do governo que as regula/fiscaliza!!

    Cumps...

    Gonçalo Pais

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  13. Depois de ter lido todos estes textos interessantes dos comentadores precedentes, vou dar mais uma achega ao assunto.
    - Por falarmos na Alemanha, há cerca de um mês desloquei-me a Hamburgo em trabalho, e enquanto me dirigia num transporte para o meu serviço, ia reparando no estacionamento dos veículos, e para minha surpresa, vi carros em cima dos passeios! Perguntei para mim, também aqui? Já não chega em Portugal? Se fosse em Espanha, perto da fronteira, tentava ver a matrícula, mas lá tão longe, não podiam ser portugueses.

    Então com mais atenção reparei que existiam nesses passeios placas a permitir o estacionamento paralelo à rua e bem delineado, havendo muito espaço para os utilizadores dos passeios, os peões, circularem à vontade. Também noutros passeios, estava lá bem visível a placa de reboque, não sendo aí permitido, e à cautela não vi por aí nenhum chico-esperto a estacionar.
    Acredito que eles não sejam melhores que nós, até porque sabemos que já desencadearam duas guerras mundiais, com grandes carnificinas cometidas, e não gostam muito de outras raças mais a sul.
    São sim mais obedientes! E nós não.

    Todos sabemos que por cá há uns cinco anos atrás, era comum ouvirem-se escroques da sociedade a vangloriarem-se de que não pagavam impostos, e serem aplaudidos.
    Esse tempo passou, agora têm vergonha e receio de o dizer em público.

    Os prevaricadores que põem a lata em qq sítio, sem respeito até pelos seus, se tiverem dificuldade de mobilidade, um dia têm de compreender que está errada essa postura. Para isso, têm de ter receio da multa.

    Continuo na minha, as autarquias e as policias têm grande responsabilidade nesta bagunçada toda, porque não querem cumprir a lei.

    Cumprimentos
    LC

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  14. Caro Faísca
    Nunca estive na Alemanha, por isso pergunto-te (e já agora a quem por lá passeou): os peões, quando o sinal do semáforo passa a verde, para atravessarem a estrada em segurança também precisam de serem campeões olímpicos como em Portugal? Um velho atravessa a rua sem problemas? Para prosseguir o meu trajecto no passeio de uma rua, ao cruzar-me com outra, também tenho de me deslocar mais 100 metros para a esquerda ou para a direita para o fazer em segurança? Quando a locomoção a pé é posta em causa pelos carros os responsáveis pelas cidades cortam o acesso aos peões, colocando barreiras de cimento que impeçam as pessoas de se deslocarem pelo caminho mais curto e obrigando-os a percorrer mais 500 metros?
    Boas pedaladas.

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  15. Permitam apenas dizer isto: o grave não é sermos um país assim, ou seja que culturalmente isto se tenha instituído ao longo dos anos nas gerações mais velhas. O gravíssimo é notar que as gerações mais novas já sabem a ladainha toda, seja um beto de cascais ou dum bairro de lata, esta maneira portuguesa de ver as regras é sempre manobrável na mente tacanha deles. Parece que é um código genético que passa de geração em geração duma forma surreal. E depois custa-me a acreditar que amigos meus olhem para mim e digam que sou cumpridor!!!
    Deixem só dar uns exemplos: na estrada vê-se diferença entre um doutor engravatado e um gajo iletrado sem educação? Não se vê grande diferença, não há um gap generation que todos os países tiverem, quer nas revoluções culturais quer noutro tipo de cortes que existiram com a tradição de cada país.Ou seja devia haver uma modernidade nas nossas gerações mais novas. Outro exemplo, no outro dia descobri que existia um individuo que tirou o curso com bolsa de estudo quando andava de bmw z3 na faculdade, e agora que acabou o curso tem um jaguar xf novinho? Bonito país hein? Não há censura social nem por parte dos colegas nem na terrinha em si. Vergonhoso!! Outro caso caricato, estava eu numa agência de viagens e estavam lá 3 jovens muito bem fashion e sem duvida de "boas famílias", iam passar uma temporada na Austrália, e estavam-se a queixar que em lisboa não havia embaixada da Austrália e que este pais era um atraso de vida. Pelo que percebi iam tentar lá arranjar trabalho e estavam super preocupados pois lá não podiam fugir aos impostos! Ó pá tirem deste filme que só dá vontade de rir. Talvez somos atrasados porque a fuga e fraude fiscal é enorme não?

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  16. Vivi quase 30 anos na Alemanha e não posso confirmar o que aí escreveu dos alemães. Em primeiro essas pessoas que passam as multas são policias. Em segundo... se tivesse lá quando passáram-lhe a multa, para deslocar a sua viatura, talvez tivessem-lhe perdoado. E se acha que os alemães aceitam esses "knöllchen"/multas sem mais nem menos - também está muito enganado.

    Entretanto já estou a viver a 3 anos em Portugal e sinceramente, gosto de viver aqui. umas das razões é as pessoas não estão limitadas de tantas leis.
    Na Alemanha as leis já são tantas, que as pessoas quase só se falam por intermédio de advogados e correm constantemente os tribunais e estão sempre a espreita, que uma pessoa (mesmo sem querer) não cumpre a lei a 100% (seja ela qual for).
    Acho que não deviamos só olhar o que em Portugal existe de mal... também temos por aqui muita coisa e liberdade que vale a pena estamos com orgulho no nosso país.

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  17. Caro 23:31, espero que não inclúa as multas por estacionamento em cima de passeios e de pasadeiras no rol da "sem mais nem menos". Quanto à lei e à liberdade, considero que as leis, num estado democrático, não servem se não para garantir liberdades - a de andar pelo passeio, por exemplo.

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