Carrinhos de bebés na Grande Alface

«E lá na Grande Alface, decidimos os senhores de Pinheiro levar o Rititi Boy da Estrela até ao Chiado, empurrando carrinho que é como se passeiam os bebés desde que o mundo ficou motorizado. Ah, que grandes aventuras que gostamos nós de viver! Porque uma coisa é Madrid, uma cidade com passeios largos e mentalidade europeia e outra bem diferente é a nossa querida Lisboa, tão decadente, tão luminosa e tão desconfortável para o caminhante.

Mas comecemos pelo princípio, a saída de casa. Impossível, ficámos presos. Estacionada à porta do prédio eis que estava uma bela de uma carrinha audi A35, com os seus dez metros de comprimento escarrapachados no passeio. Matizo: à porta não, dentro da porta. Porque em Lisboa o conceito de estacionamento vai mais além dos limites lógicos da física, o dono da carrinha achou que a sua viatura estaria mais segura tapando a saída da minha casa. Foi mais ou menos quando Mr. Pinheiro começou aos pontapés à carrinha que eu me dei conta da odisseia em que se ia transformar um simples e simpático passeio pelas ruas da cidade. E como se tira um carrinho de bebé de uma casa lisboeta? À bruta. Apanha-se no carrinho com garra e atitude e poisa-se em cima da viatura que obstaculiza a saída do prédio. Ah, mas assim risca-se o carro, ouço por aí dizer. Pois é, que se foda o carro.

Seguimos: já na rua reparamos que não há passeios livres porque como ficou lá atrás explicado o lugar onde se estacionam os carros é em cima do passeio. Como ainda não tirei o curso de voar na escola de pássaros nem o meu marido gosta de exibir em público a seu superpoder do tele-transporte, não tivemos mais opção que empurrar o carrinho pela estrada, ali da rua de São Bernardo à Alvares Cabral. Um saltinho. Cinco minutos. Claro que não estávamos sozinhos. Taxis, carros, motas e camionetas faziam o favor de nos seguir, qual romaria à nossa senhora dos carrinhos, à trepidante velocidade de 0,010 km por hora. E que linda sinfonia que ouvíamos, senhores! Saiam-me da frente, buuuuu, fora daí seus caralhos, piiiii, e assim ficou o Rititi Boy a conhecer o dialecto da capital. Ah, mas assim entupiam o trânsito, ouço por aí dizer. Pois é, que se foda o trânsito.

Mais: a Alvares Cabral é uma grande avenida e o Rato, uma zona central, e a Rua da Escola Politécnica uma arteria das que chamam principal, com o Procuradoria-Geral da República a comandar a via. Pois muito bem, já andei em aldeias do terceiro mundo melhor pavimentadas que estas, por não falar já da lógica de pôr candeeiros no meio do passeio que impedem o normal caminhar ou do estado lamentável da puta da calçada portuguesa. Há partes da calçada, palavra de honra, que parecem remendadas por manetas cegos com ódios concretos aos pais com carrinhos e senhores em cadeiras de rodas. Obras sem sinalizar, cruzamentos tapados por camionetas e polícias que nem se dignam a parar o trânsito quando não se pode passar com o carrinho por culpa de uma betoneira no meio do passeio. Ah, mas o polícia só estava ali para fiscalizar a obras, ouço por aí dizer. Pois é, que se foda o polícia.

Até à Trindade encontrei um total de sete carrinhos de bebés, sendo de cinco eram empurrados por turistas nórdicos e dois por criadas sem medo a morrer atropeladas por um autocarro psicopata. Nativos, zero, o que também não é de estranhar devido ao pouco interesse que os autarcas municipais mostram por ter as ruas cheias de crianças. O centro de Lisboa, nesse sábado, aliás, estava, como sempre, às moscas, sem famílias, sem crianças que devem estar refundidas na expo ou nalgum centro comercial com estacionamento regulado e elevadores com capacidade para dez carrinhos de bebés. Já podem vir com teorias para reabilitar o centro ou gastar dinheiro em merdas de espectáculos de rua, mas bastava com arranjar os passeios, regular o estacionamento, que a gente ia lá, gozar a cidade, como se gozam todas as capitais europeias. Ah, mas Lisboa é gira porque é caótica, ouço por aí dizer. Pois é, que se foda Lisboa, então.»

www.rititi.com

3 comentários:

  1. Não estranho o sentimento nórdico de levar o carrinho de bebé para um passeio pelo passeio. Na Escandinávia é ver carrinhos às vezes com 4 miúdos pequenos esteja sol, frio, chuva, vento ou até mesmo neve. Como ouvi dizer um dia qualquer coisa como: não existe mau tempo, há é má vestimenta e neste caso, há é mau passeio! Lembro-me um dia ir buscar a minha prima à escola primária (a pé) e o passeio não dar para as duas, resultado de tanta "confusão" à hora de ponta, fiquei com um pé debaixo de um pneu e ainda tive de ouvir para não andar distraída, era a tentar salvar a miúda só pode - eu devia ter uns 15 anos...

    Louvo estas pequenas atitudes de tentar andar com um carrinho de bebé pelo passeio em Lisboa para o puto então deve ser uma experiência inesquecível com tanta apitadela e solavancos.
    Gosto desta exaltação com rigor na língua :)

    Catarina

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  2. É só substituir os nomes das ruas, e o que escreveu adapta-se a qualquer lugar em Portugal. Como li hoje numa crónica no Destak, estamos mais perto de um país da América do Sul do que da Europa. Estamos completamente deslocados do continente onde vivemos. Até os países de Leste estão melhor ao nível de civismo e cultura.

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  3. Eu e o meu marido temos o hábito - desde que os nossos filhos nasceram - de passear, passear muito com os nosso filhos de carrinho. Não há nada melhor que passear ao ar livre - pensamos nós - e realmente não há! Mesmo com os carro a taparem os passeios: as rodinhas dos carros dos meus filhos conhecem bem os capots de alguns carros cá da zona...e não tenho o mínimo problema de repetir a façanha.

    Continuem os vossos passeios...e se for preciso andem por cima dos carros...que se lixem os carros!

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